Joelmir Tavares, Folhapress
O ex-governador de São Paulo Márcio França (PSB) reafirmou sua pré-candidatura ao Palácio dos Bandeirantes, caso fracasse um acordo dele com o PT para eventual retirada do nome de Fernando Haddad, ao participar de sabatina realizada por Folha de S.Paulo e UOL nesta segunda-feira (2).
Com 20% das intenções de voto segundo o Datafolha, França diz ter proposto ao PT que o nome do grupo na disputa estadual seja escolhido levando em conta não só a declaração de voto, mas também a possibilidade de voto aferida pelos levantamentos até o fim deste mês.
"Se não houver acordo, vamos com a candidatura até o fim", afirmou. "Se eles não toparem a [definição por] pesquisa, nós teremos duas candidaturas." Ele argumenta que sua campanha teria mais facilidade do que a do ex-prefeito Haddad em atrair eleitores refratários à esquerda.
"As pessoas já me conhecem. Um sujeito na rede social me falou: prefiro um socialista sincero a um liberal mentiroso. Eu nunca menti, estou há 40 anos no mesmo partido."
Segundo o ex-governador, o pré-candidato do PT à Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva, e a presidente nacional da legenda, Gleisi Hoffmann, aceitaram a proposta, mas o diretório estadual petista ainda quer analisar melhor o assunto. O clima é de impasse.
A sugestão de França o torna, em tese, mais competitivo na briga pela vaga de candidato lulista em São Paulo. Haddad tem o maior índice de rejeição entre os postulantes, de 34%, enquanto o rival no mesmo campo não seria votado de jeito nenhum por uma parcela de 20% dos eleitores.
Ainda de acordo com ele, o ex-prefeito declarou que concorda com a definição por meio de pesquisas, mas que haveria entraves com o comando de seu partido no estado. O combinado é que o preterido para a vaga de governador concorra, se quiser, a uma cadeira no Senado.
Na pesquisa Datafolha de abril, Haddad lidera a corrida com 29%, à frente de França (20%), do ex-ministro da Infraestrutura Tarcísio de Freitas (Republicanos), 10%, e do governador Rodrigo Garcia (PSDB), 6% -os dois últimos estão empatados no limite da margem de erro.
A entrevista com o ex-governador de São Paulo foi conduzida pela apresentadora Fabíola Cidral, pelo colunista do UOL Leonardo Sakamoto e pela jornalista da Folha de S.Paulo Carolina Linhares.
Filiado ao PSB, partido que apoia Lula, França afirmou que não esconderá o petista em uma eventual campanha, já que a prioridade deve ser derrotar o presidente Jair Bolsonaro (PL). "Eu sou Lula facinho", disse, fazendo um "L" com os dedos.
"Hoje o que está em discussão é democracia [versus] não democracia. E eu vou apoiar a democracia. Nós teremos uma eleição extremamente apertada e perigosa. As pessoas estão subestimando a capacidade do Bolsonaro."
França era vice-governador e assumiu o comando do estado por nove meses em 2018, quando Geraldo Alckmin saiu para disputar a Presidência. Ele foi um dos articuladores da ida do ex-tucano, agora filiado ao PSB, para a posição de vice de Lula.
"A escolha do Alckmin foi uma tentativa de ampliar o eleitor do Lula. E é o que eu também estou buscando. É a minha visão de como deve se ganhar uma eleição." Para ele, "outros partidos virão" para sua aliança caso vingue a candidatura.
França também usou a sabatina para acenar com promessas de campanha. Disse ser a favor das câmeras corporais nas roupas dos policiais militares, mas defendeu o acionamento dos aparelhos só antes de ações com uso de arma, em vez de gravações ininterruptas.
O assunto entrou na pauta depois que Tarcísio, apoiado por Bolsonaro, criticou o programa criado na gestão de João Doria (PSDB) e elogiado por ajudar a reduzir a letalidade policial.
França disse ver abusos e invasão da privacidade dos agentes. "Só vai ligar a câmera quando estiver em ação. Não a câmera gravando [o policial] 12 horas por dia", afirmou, sem se aprofundar sobre a viabilidade da medida.
O postulante afirmou ainda que, se eleito, em até dois anos será extinta a cracolândia e em até um ano não haverá mais população de rua. "A gente não pode se acostumar com o que está errado. Isso está errado."
Ele disse considerar as aglomerações de dependentes de drogas uma questão de saúde pública e admitiu a possibilidade de impor tratamento obrigatório para casos graves.
Detrator de Doria, França foi ao segundo turno da eleição para o Bandeirantes em 2018 contra o tucano, vitorioso por margem apertada (52% a 48%). A retórica contrária ao grupo político do ex-governador foi o mote de sua campanha a prefeito da capital em 2020, da qual saiu em terceiro lugar.
"Acho que as pessoas que votaram no Doria, de alguma forma, se arrependeram, então é meio natural que eu, tendo mais de 10 milhões de votos, pleiteie voltar para a cadeira que já ocupei por pouco tempo."
O ex-governador falou na sabatina que "já está certo" que será candidato caso o entendimento com o PT naufrague e reforçou a conexão da eleição em São Paulo com a disputa nacional.
"Pode ser que um erro aqui represente um erro no Brasil", alertou, citando o peso do colégio eleitoral paulista no cenário nacional. Por isso, defendeu ser necessário evitar o crescimento do candidato bolsonarista.
"O meu nome entra um pouco mais no campo do outro, do adversário. Tenho receio de não ir para o segundo turno e o Tarcísio acabar puxando o Bolsonaro para cima."
França disse que Haddad "tem muito mais méritos do que deméritos", mas relatou que, em caso de embate, marcará "características diferentes", com críticas "àquilo que é deficitário" no petista. Citou, por exemplo, o fato de ser já ter sido reeleito prefeito, em São Vicente (SP), com 93% dos votos, diferentemente de Haddad, que foi derrotado na tentativa de obter um segundo mandato na capital.
O ex-governador afirmou ainda que o único rival que talvez conheça o estado tão bem quanto ele seja Garcia, até o mês passado vice de Doria. E chamou Tarcísio de "coitado" ao comentar que o carioca "não tem nenhuma relação com o estado".
O representante do PSB minimizou os impactos eleitorais da operação da Polícia Civil de que foi alvo em janeiro, em investigação sobre suposto esquema de desvios na saúde. Ele voltou a negar envolvimento no caso, se disse indignado e repetiu ter sido vítima de uma ação de cunho político.
Após dizer saber de onde saiu uma suposta pressão para atingi-lo, França foi indagado sobre nomes e motivações dos responsáveis. "Saiu das pessoas que querem tomar o estado de São Paulo. O crime quer tomar o estado. Eles querem derrubar a Polícia Militar", respondeu.
Questionado se estava se referindo à facção criminosa PCC, confirmou, porém não deu mais detalhes.
França declarou ser contra a legalização do aborto, a descriminalização da maconha, o aumento das tarifas do transporte público, a privatização ou terceirização de presídios públicos e o porte e a posse de armas por cidadãos comuns.
Disse ainda ser a favor de câmeras nos uniformes da polícia com adaptações, de inspeção veicular desde que subsidiada pelo estado, de concessão de parques, de discussão sobre mensalidade nas universidades públicas e de privatização de estatais e de linhas da CPTM e do Metrô.
RAIO-X
Márcio Luiz França Gomes, 58, é formado em direito, foi oficial de Justiça antes de entrar na política como vereador e duas vezes prefeito de São Vicente (1997-2004). Sempre filiado ao PSB, teve dois mandatos como deputado federal (2007-2015).
Em 2014 se elegeu vice-governador na chapa de Geraldo Alckmin (PSDB). Assumiu o governo em abril de 2018, com a renúncia de Alckmin para concorrer à Presidência. Disputou a reeleição contra João Doria (PSDB) e perdeu no segundo turno (por 52% a 48%).
Em 2020, ficou em terceiro lugar na disputa pela Prefeitura de São Paulo, com 728.441 votos (13,64%), tendo Antonio Neto (PDT) na vice. É pré-candidato a governador neste ano.